nas luzes da ribalta
Ecrãs de televisão, telas de cinema e palcos internacionais são cenários ideais para transmitir uma mensagem, para dar a conhecer uma ideia, para começar uma mudança. O tema do transgénero é um dos que surge cada vez mais nestes ecrãs. O assunto provoca multidões, causa confusão e baralha o público. Filmes, concursos, séries e programas televisivos, todos eles têm integrado e representado, cada vez mais, as pessoas que se inserem dentro deste grupo.
Um dos casos mais recentes que surpreendeu, sobretudo, europeus e que relançou o tema para debate, foi o de Conchita Wurst. A concorrente austríaca do Festival Eurovisão da Canção, que decorreu em maio deste ano, subiu ao palco e mostrou ao mundo, uma mulher curvilínea, de vestido justo, brilhante e até aos pés, com uma cabeleira, longa e invejável. Quando as luzes da ribalta se acenderam e os focos iluminaram a cara de Conchita, a negra e densa barba saltou à vista.
Seguiu-se uma cobertura mediática cheia de dúvidas e de termos errados. "A mulher barbuda", "o homem", o "travesti", "a mulher transexual" foram algumas das designações atribuídas à cantora. A necessidade de rotular "aquilo que ela era" levou a que quase todos estes termos fossem atribuídos, erradamente. Sandra Palma Saleiro pertence ao Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa. É a primeira investigadora em Portugal a escrever uma tese sobre a transexualidade e o transgénero, no âmbito das ciências sociais. A socióloga acredita que "o fenómeno Conchita" foi importante pela polémica que gerou e tira as dúvidas sobre a forma de como a cantora austríaca se define.
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Meses antes do aparecimento de Conchita, foi Lourenço Cunha quem despertou uma série de controvérsias sobre a transexualidade em Portugal. No final do mês de setembro de 2013, começava mais uma "Casa dos Segredos", um reality show da televisão portuguesa. O concorrente Lourenço Cunha surpreendeu o público ao revelar ser um homem transexual. A participação de Lourenço naquele que foi um dos programas mais vistos pelos espectadores em Portugal, voltou a dar à transexualidade, a visibilidade e projeção suficiente colocar o assunto na ordem do dia.
Para o ex-concorrente, esta passagem pelo reality show teve consequências que ultrapassaram todos os ecrãs de televisão.
Para o ex-concorrente, esta passagem pelo reality show teve consequências que ultrapassaram todos os ecrãs de televisão.
No entanto, não é apenas em concursos musicais e em programas de "tele-realidade" que se abordam temas trans. Têm sido produzidos, ao longo dos anos, vários filmes que integram no seu argumento personagens transgénero e transexuais.
transgénero:Indivíduo cuja relação com o sexo biológico atribuído à nascença não é necessariamente problemática ou, indivíduo que não mantém uma relação estável com nenhum dos dois géneros, masculino ou feminino. Exemplos: crossdressers, andróginos, drag queens, drag kings, travestis, etc.
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TRANSEXUAL:Indivíduo cujo género é permanentemente sentido como o oposto ao sexo biológico que lhe foi atribuído às nascença, independentemente da sua situação face à cirurgia de reatribuição de sexo (quer a tenha ou não realizado ou até quer seja desejada ou não).
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Fonte: Saleiro, Sandra Palma (2010), Transexualidade e trangénero em Portugal: dois "vazios" em debate
pequeno-grande ecrã
São vários os guiões de cinema que incluem personagens do universo trans e que trazem até ao grande ecrã histórias enigmáticas, algumas delas baseadas em factos reais. "Dallas Buyers Club" (2013) é um dos mais recentes exemplos. Rayon, personagem protagonizada por Jared Leto, é uma mulher transexual, toxicodependente, infetada com o vírus da SIDA. Por ter sido uma grande produção "hollywoodesca", o filme teve uma enorme projeção a nível mundial e valeu a Leto, o Óscar de Melhor Ator Secundário. Apesar da visibilidade que alcançou, o filme não gerou muita polémica pelo tratamento de uma questão de transexualidade. Mas levantaram-se algumas questões quanto ao facto de não se contratar pessoas transexuais para desempenhar este tipo de papeis.
Anos antes, "Transamerica" (2005) foi outro dos blockbusters com personagens trans na história. A agora conhecida dona de casa desesperada, Felicity Huffman, encarnou Bree, uma mulher transexual que descobre que tem um filho com 17 anos, fruto de uma relação fugaz com outra mulher. O filme provocou alguma controvérsia por retratar uma realidade desconhecida por muitos.
Lara Crespo pertence ao Grupo Transexual Portugal (GTP). A responsável por esta comunidade, que presta apoio a pessoas transexuais no país, alerta para outro aspeto relacionado com as questões trans no grande ecrã.
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A representante do GTP chama a atenção para aquilo que denomina de genitalocentrismo. Quando um filme apresenta a história de um personagem transexual, a trama centra-se, quase exclusivamente, na eventual cirurgia de reatribuição de sexo, explica. Para Lara Crespo, este enfoque é excessivo e diz haver muitas outras questões, próximas da realidade trans, que ficam por retratar.
"As consultas intermináveis, os médicos que fazem perguntas sem fim, os tratamentos demorados e os problemas de assistência médica que temos...isso não aparece nos filmes." Lara Crespo
Lara Crespo dá os exemplos de "Transamerica" e de "Boys Don't Cry". Este último, rodado em 1999, impressiona pela veracidade da história que apresenta - um dos mais dramáticos crimes de ódio nos Estados Unidos. "Boys Don't Cry" retrata a vida trágica de Brandon Teena, um rapaz transexual que foi espancado, violado e assassinado quando se descobriu que possuía órgãos genitais femininos. Com a interpretação de Brandon, Hillary Swank venceu o Óscar de Melhor Atriz, no ano 2000.
Mais recentemente e já no pequeno ecrã, Orange Is The New Black (2013) é uma das séries que aposta em mostrar ao público que também há atrizes transexuais. Se até agora personagens transexuais haviam sido desempenhadas por atores cissexuais, Laverne Cox vem alterar o paradigma. A atriz norte-americana é uma das personagens desta comédia dramática que decorre numa prisão feminina. A visibilidade da série levou o tema da transexualidade (e a própria Laverne) até à capa da revista Time. Cox tem provocado uma onda de interesse pelo assunto e tem ajudado a desconstruir preconceitos. Foi a primeira transexual a ser nomeada para um Emmy, na categoria de representação.
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Indivíduo cujo sexo atribuído à nascença coincide com o género experienciado
Fonte: Saleiro, Sandra Palma (2010), Transexualidade e trangénero em Portugal: dois "vazios" em debate
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Ao recuar várias décadas, encontram-se dois dos primeiros filmes a apresentar personagens transgénero: "Psycho" (1960), de Alfred Hitchcock ou "Vestida Para Matar" (1980) de Brian de Palma. Foi em "Psycho", inclusive, que se proferiu, pela primeira vez, a palavra "transvestite" num filme. "Transvestite" é um termo diretamente relacionado com o travestismo (ato de um homem vestir roupas que são, tradicionalmente, consideradas de mulher, e vice-versa). Às personagens trans destes filmes foram-lhes atribuídas características mais "radicais" ao serem representadas como psicopatas e assassinas. A investigadora Sandra Palma Saleiro diz encontrar ironia nesta situação.
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No que respeita a assassinatos de transexuais, o caso de Giberta foi o mais mediático em Portugal. Decorria o ano de 2006, quando 14 adolescentes, todos menores, agrediram Gisberta num prédio em construção, no Porto, onde esta brasileira de 46 anos vivia. Depois de infligirem várias agressões, atiraram-na a um poço com 15 metros de profundidade. Gisberta morreu afogada. Os contornos do crime levaram a uma cobertura imediata pelos media. Em poucos dias, podia encontrar-se uma enorme variedade de designações atribuídas a Gisberta: "o travesti", "o transexual", "o homem", "a mulher". Eduarda Santos, que também representa o Grupo Transexual Portugal, comenta a cobertura mediática do caso e a importância que esta tem para o público.
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Os menores foram condenados a cumprir entre 11 e 13 meses de internamento. O mais velho, na altura com 16 anos, foi acusado pelo Ministério Público de ofensas à integridade física graves e omissão de auxílio.
"A descriminação é diária"
Dar atenção às minorias deve ser uma preocupação dos órgãos de comunicação social. Espelhar a realidade que rodeia público, deve ser uma tentativa constante. Os media conseguem chegar a um número de indivíduos que outras plataformas, por si só, não conseguem. No entanto, no que toca a combate ao preconceito, a realidade é outra.
"As pessoas trans são menos descriminadas porque o assunto está nos media? Não." Lara Crespo
Apesar da crescente cobertura mediática e de uma presença de transgéneros e transexuais cada vez mais frequente nos media e no cinema, estes continuam a ser dos grupos mais discriminados e marginalizados da sociedade portuguesa.